Corpo de texto: fragmentos.

terça-feira, março 14, 2006

Tosse Convulsa. Divagações no vento norte.

De Lisboa fugimos para uma praia já
na volta da curva, protegida pelo vazia
que se encontra no Inverno. Uma pequena
fuga em forma de verão só nosso, num
amor que não chega a amor e vai além dele,
um amor todo segredo e mentira, mas justo.
Na condução, trocam-se palavras, e conceitos
desusados, preenchendo os medos de
nos termos que conhecer de novo cada
vez que nos encontramos de novo. Trocamos
ideias e retalhos de frases espirituosas,
voando de cérebro em cérebro como a gripe
que parece ir subindo uma rua e chamando
às portas das casas como antes faziam (hoje
menos) pedindo pão por Deus. Deitados na praia,
fazemos por construir postais de fotografias de
gosto dúbio, canções de música popular portuguesa
e romântica, vulgo, foleiras. Oblações com areia na
roupa, meios-sonos que não se instalam, e o
proverbial silêncio que se ergue com o ruído único
do mar, filtrando onda a onda os evos que se
encavalitam, acumulam, se apagam em sucessão.
Falamos mais um pouco então, com os dedos, as
línguas, as pestanas em borboleta, os pés, calçados,
em paralelo, os corpos todos, mudos e quedos.
Retiramo-nos, pelo trilho deixado por máquinas
e marés, pelas sombras largadas e lentas das cascas
de animais marinhos. Até ao café, onde está o cão.
E o cão segue-nos, não só dócil como também
servil, e é isso que me faz não gostar de cães,
implorando amor de barriga para cima, solícitos
com o seu longo e intratado pêlo enroscado e
cheio de pedaços de coisas já vivas. Não gosto
dessa solicitude porque ecoa a minha, que acabei
de retornar de um canto de praia, onde me
enroscara a ti, de barriga para cima, de olhos
fechados escutando o nada, o sol, a tua mão
passeando-se no meu rosto, barba, lábios, desmanchando
areia e sal na pele. Implorei sem palavras, como o
cão, e agora voltamos outra vez ao estranho
jogo, de regras livres, em preencher um vazio
imenso que queremos que continue,

sobretudo,

vazio.